Introdução aos filósofos pré-socráticos

A filosofia, tal como a conhecemos no ocidente, é uma criação grega. Apesar de encontramos tentativas de explicações racionais da realidade também em outras culturas da antiguidade, o pensamento grego, a partir do século VI a.C., se caracteriza pela tentativa do uso exclusivo da razão, sem recorrência a mitos, deuses ou ao sobrenatural. Por essa razão, considera-se a filosofia como uma criação grega.

Os primeiros filósofos gregos são chamados de pré-socráticos, distinção que se aplica pelo fato de terem vivido antes (ou contemporaneamente a) de Sócrates. O projeto filosófico comum a praticamente todos eles era a busca da arkhé, isso é, a substância fundamental de que é formada a realidade.

Tales é considerado o primeiro filósofo e pai da filosofia. Oriundo de Mileto, na Jônia, foi responsável pelo início da filosofia da physis (“natureza”, entendida na língua grega em um sentido bem mais amplo do que na nossa concepção de natureza). Ele foi responsável pela previsão de um eclipse, algo que despertou a admiração de seus contemporâneos e de filósofos posteriores.

Observando, entre outras coisas, que tudo precisa de umidade para existir e crescer, e que aquilo que morre se seca, Tales chegou à conclusão de que a arkhé era a água. Mas essa água, no entanto, não deve ser confundida com aquela água que bebemos, mas é antes uma physis líquida totalizante, algo mais próximo de uma certa umidade. Outro detalhe que vale mencionar é que o próprio Tales não chegou a utilizar o termo arkhé.

Anaximandro foi discípulo de Tales. É considerado o autor do primeiro tratado filosófico do Ocidente, como também do primeiro escrito filosófico grego em prosa. Ao contrário de Tales, pergunta como e por que da arkhé derivam todas as coisas, não se contentando simplesmente em tentar descobrir o que ela é. Daí afirma, então, que a injustiça é a causa, a origem de todas as coisas. Por injustiça Anaximandro se refere à predominância de um oposto sobre o outro. A gênese do cosmo, em sua concepção, se dá a partir de um movimento eterno, em que geram-se os primeiros dois contrários, o frio e o calor.

O discípulo de Tales foi pioneiro ao sustentar que a terra não tem necessidade de sustentação material no espaço, e também ao afirmar que a vida teve origem na água, com animais aquáticos que evoluíram, sendo assim um antigo precursor da teoria da evolução de Darwin.

Anaxímenes foi discípulo de Anaximandro, e discordando de seu mestre, propôs um novo elemento como a arkhé: o ar. Para ele, a origem de todas as coisas se dá na tensão da realidade originária, que é a condensação e a rarefação. Ele se maravilhou ao perceber os contrários que eram gerados por esses dois estados do ar, como quando sopramos em nossas próprias mãos ar rarefeito (quente, quando sopramos com a boca mais aberta) e ar condensado (frio, quando sopramos com a boca menos aberta). Anaxímenes foi mais rigoroso logicamente do que seus antecessores.

Heráclito de Éfeso, conhecido também como “o obscuro” (pois escrevia e falava de forma obscura, não fazendo questão que ninguém o entendesse devido à sua misantropia, ao desprezo que tinha por todos e por tudo aquilo que era honrado em sua época), propõe o fogo como a arkhé. Para ele o fogo é logos, é razão. Assim, a idéia de inteligência que estava implícita nos filósofos anteriores se torna explícita. Heráclito percebe a realidade essencialmente como movimento, como o crepitar do fogo. Para ele tudo é uma ininterrupta mudança, daí sua célebre frase: “Não se entra duas vezes no mesmo rio”. Com isso ele queria dizer que uma pessoa, ao tentar entrar em um mesmo rio pela segunda vez, estará na verdade entrando em um rio diferente, que já fluiu, que não é mais da mesma forma que era antes. De fato, até a própria pessoa já estará no mínimo ligeiramente diferente de quando entrou no rio pela primeira vez.

No entanto, há uma discussão quanto ao fato de Heráclito realmente ser um filósofo que buscava uma arkhé. Há uma corrente que afirma que o fato de ele ter proposto o fogo como realidade básica fundamental seria, na verdade, uma negação de que exista uma substância estável que possa ser considerada como a arkhé. A posição contrária, todavia, é mais aceita.

Pitágoras é alguém de quem pouco podemos afirmar com segurança. Sua história é encoberta por mitos, pois desde a fase final de sua vida já não era visto mais como um humano, mas sim como algo superior, um semi-deus. Para ele, o “princípio” é o número e os seus componentes. A doutrina de Pitágoras é difícil de reconstituir porque ele mesmo não deixou nada escrito, e muitas de suas doutrinas eram esotéricas, isso é, eram restritas a um grupo seleto de discípulos e iniciados, não sendo divulgadas ao público geral.

O número não é algo que existe por si só, mas é ele mesmo derivado de outros elementos, que são:

- indeterminado ou ilimitado;
- determinante ou limitante;
- ímpar masculino, par feminino;
- ímpares quadrados, pares retangulares.

Xenófanes foi filósofo e rapsodo, e o primeiro a criticar o antropomorfismo. Pensador independente, não se filiou e nem criou nenhuma escola filosófica. Para ele, Deus é o cosmo. Considerou a terra e a água como os princípios, mas apenas de nossa terra, e não do cosmo inteiro. Chegou a apresentar fósseis marinhos nas montanhas como prova de que já houve água nesses locais.

Parmênides foi o filósofo do ser. Teve como mestre um filósofo pitagórico, e apresentou sua teoria das três vias do conhecimento:

- a via da verdade absoluta;
- a via das opiniões falazes;
- a via da opinião plausível.

Afirmava que o ser é e não pode não ser, e que o não ser não é e não pode ser de modo nenhum. Foi o principal opositor de Heráclito. Identificava o caminho dos sentidos como o caminho do erro. Seu princípio salvava (explicava) o ser, mas não os fenômenos.

Zenão foi um filósofo que concentrou seus esforços em refutar os opositores de Parmênides. Inaugurou o argumento reductio ad absurdum, e foi o fundador da dialética. Desenvolveu inúmeros argumentos para refutar o movimento e a multiplicidade, chamados de paradoxos de Zenão. Entre eles encontra-se o argumento da flecha, que é o seguinte: um arqueiro lança uma flecha do ponto A ao seu alvo, o ponto B. No entanto, antes de chegar ao ponto B, a flecha deve passar por um ponto intermediário entre os pontos A e B, que vamos chamar de C. Porém, antes de chegar nesse ponto intermediário C, a flecha deve passar por um ponto intermediário entre A e C, que vamos chamar de D, e assim sucessivamente, ao infinito. Dessa forma, o movimento da flecha é uma ilusão, e ela nunca nem mesmo sai do lugar.

Melisso de Samos foi o grande sistematizador da escola eleática. Corrigiu Parmênides, afirmando que o ser é eterno, infinito, uno, igual, imutável, imóvel e incorpóreo (isso é, sem forma, não imaterial).

Após esses pensadores, a filosofia grega passa pela fase dos filósofos pluralistas e ecléticos, que tentaram elaborar uma síntese dos pensadores anteriores. Entre esses filósofos encontra-se Empédocles de Agrigento, que afirmava que o nascer e o perecer não existem (Parmênides). Ele considera toda a realidade oriunda de quatro raízes: água, ar, terra e fogo. As forças motrizes da geração e da corrupção de todas as coisas são philía e nêikos, ou amizade e ódio.

Para explicar a cognição, ele afirma que das coisas saem eflúvios que atingem os órgãos dos sentidos, e o semelhante reconhece o semelhante. O pensamento tem seu veículo no sangue e sede no coração, e não é exclusivo do homem. Em sua obra encontram-se influências órficas, como os conceitos de culpa originária e expiação da culpa através dos nascimentos.

Anaxágoras de Clazômenas foi provavelmente o filósofo responsável por introduzir a filosofia em Atenas. Para ele nascer e morrer também não existem, mas sim o compor-se e o dividir-se. Introduz o conceito de spérmatas, ou homeomerias, pois as quatro raízes de Empédocles, em sua concepção, não são suficientes para originar todas as coisas. Os elementos dos quais derivam todas as coisas devem ser inumeráveis como são as quantidades das coisas. Assim, as “sementes” (spérmatas) são:

- inumeráveis;
- variadas;
- o originário qualitativo (pensado eleaticamente), incriado, imutável;
- infinitas, não apenas em número, mas em qualidade.

Cada coisa, portanto, tem a semente de todas as coisas. Anaxágoras representa um refinamento no pensamento dos pré-socráticos em direção ao imaterial, e apresenta o conceito de uma inteligência cósmica, ilimitada, independente e não-misturada.

Leucipo de Mileto foi mestre de Demócrito, e dele não nos chegou muitas informações. Afirmava a impossibilidade do não-ser, considerando o nascer como agregar-se e o morrer como desagregar-se.

Demócrito de Abdera, atomista, representou uma das últimas tentativas de resposta ao problema do ser (eleatismo) dentro da filosofia da physis. Foi um dos descobridores do conceito de átomo, e também afirmava a impossibilidade do não-ser. Para ele, os átomos são infinitos e invisíveis por sua pequenez e volume, além de serem indivisíveis, indestrutíveis e imutáveis.

Os átomos estavam, portanto, mais próximos do ser eleático do que os elementos de Empédocles ou as homeomerias de Anaxágoras, pois eram qualitativamente indiferenciados. Todos são um ser pleno em si mesmos. E pelo fato dos átomos serem infinitos, segue-se disso que infinitos mundos derivam deles.

Para Demócrito não há uma inteligência ordenadora, pois para ele a inteligência segue ao átomo, e não o precede. Afirma que o conhecimento deriva dos eflúvios dos átomos que se desprendem de todas as coisas, e que aqueles em nós reconhecem aqueles fora de nós. O semelhante reconhece o semelhante, como em Empédocles.

O filósofo Diógenes de Apolônia representa uma involução em sentido eclético. Ele retorna ao monismo, e afirma que o princípio é o ar infinito, dotado de muita inteligência – uma combinação de Anaxímenes e Anaxágoras. Dele não nos resta muitas informações.

Arquelau de Atenas foi provavelmente o mestre de Sócrates. Provavelmente falava algo sobre “ar infinito” e “inteligência”.


Os sofistas

Os sofistas eram mestres itinerantes, que cobravam por suas lições. Foram responsáveis por operar o deslocamento do interesse da filosofia da natureza para o homem. Podemos apontar como fatores históricos responsáveis pelo surgimento dessa classe:

- crise da aristocracia;
- crescente poder do demos (povo);
- afluxo de estrangeiros;
- ampliação do comércio;
- difusão do conhecimento dos viajantes, com conseqüente comparação entre leis e costumes de lugares diferentes.

Deve-se considerar que os sofistas não são um bloco compacto em si, mas visavam às mesmas finalidades com esforços independentes. Podemos dividi-los em quatro grupos:

- Mestres da primeira geração;
- Erísticos;
- “Político-sofistas”;
- Naturalilstas.

Entre os mestres da primeira geração conta-se Protágoras, que afirmava que “o homem é a medida de todas as coisas”. Se professava mestre na arte da Antilogia (contradição), que é o método de aduzir argumentos prós e contra sobre qualquer questão, para tornar mais forte o argumento mais fraco. Para ele, ninguém nunca está no erro, mas cada um tem a sua verdade. Considera a virtude apenas como uma mera habilidade na antilogia. É um adepto do utilitarismo: o melhor é o útil, o pior é o danoso.

Górgias, também um mestre da primeira geração, tem como ponto de partida o niilismo. Para ele não existe o ser, e o nada existe. Afirmava que se o ser existisse, não seria cognoscível, e se fosse pensável, seria inexprimível.

Pródico também foi mestre na arte de discursar, e propunha uma técnica chamada sinonímia, que consistia na distinção entre os vários sinônimos e a determinação precisa de seus significados. Essa técnica chegou a exercer influência benéfica no método socrático. Teve uma interessante interpretação dos deuses: afirmava que eles eram uma hipostatização (absolutização) do útil e do vantajoso

Os sofistas erísticos eram aqueles mestres na erística, na arte da controvérsia com palavras, que tem por fim a controvérsia em si mesma. Ela representa uma degeneração da sofística.

Entre os sofistas-políticos podemos citar Crítias, que dessacralizou os deuses. Em sua concepção, os deuses foram introduzidos por um homem político inteligente para fazer respeitar as leis. Podemos também citar Trasímaco, que afirmava que “o justo é a vantagem do mais forte”, e Cálicles, para quem é “por natureza justo que o forte domine o fraco”.

Já a corrente naturalista da sofística contrapõe a lei de natureza (que reúne os homens) à lei positiva (aquela feita pelos homens e que os divide). Um de seus representantes é Hípias, mestre na arte da memória (mnemotécnica). Ele afirmava que a natureza une os homens, mas que a lei frequentemente os divide. Nascia aqui então uma distinção entre um direito (lei da natureza) e um direito positivo (contingente). Isso operaria uma dessacralização das leis humanas.

Outro representante da corrente naturalista da sofística é Antifonte, que radicaliza a antítese entre “natureza” e “lei”. Se utilizando de termos eleáticos, afirma que a natureza é a “verdade”, e que a lei positiva é a “opinião”, e que devemos, sempre que possível, seguir a lei da natureza e transgredir a dos homens. Apresenta concepções igualitárias e cosmopolitas, e chega a afirmar que qualquer homem é igual ao outro.

De forma panorâmica e condensada, estes são alguns dos principais filósofos gregos anteriores a Sócrates, os chamados filósofos pré-socráticos.

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  1. Acho que seria mais adequado dizer que o Heráclito e o pai da dialética, não?

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