O que é fundamentalismo?

Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, o termo "fundamentalismo" passou a ser amplamente utilizado para identificar uma determinada corrente da religião islâmica, caracterizada por sua interpretação radical do Corão e pelo fervor com que seus fiéis se dedicam à jihad.
Mas o fundamentalismo não está relacionado a nenhuma corrente de pensamento, religião ou doutrina específica. Antes, o fundamentalismo é uma forma de interpretar e viver a doutrina. Segundo o teólogo Leonardo Boff, o fundamentalismo "representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista" (2002, p. 25).
Se buscarmos a própria origem do termo, ali mesmo veremos que o fundamentalismo não é algo específico do Islã. Este termo foi cunhado em 1915, quando da publicação de uma coleção de doze livros chamados "Fundamentals", de autoria de professores de Teologia da Universidade de Princeton. Estes livros foram uma contra-ofensiva à onda de modernização de que era tomada a sociedade estadounidense, e tinham a intenção de estabelecer bases sólidas para os fundamentos cristãos bíblicos que vinham sendo então ou atacados ou considerados irrelevantes. Esses dados nos permitem ver que o próprio termo "fundamentalismo" nasceu em berço protestante, e nos Estados Unidos.
Sendo o fundamentalismo não uma doutrina, mas sim uma forma, uma maneira de interpretar e viver a doutrina, ele pode ser encontrado não apenas em diversas outras religiões, mas também em sistemas econômicos, na política, na cultura, etc.
No âmbito religioso, o fundamentalismo protestante, por exemplo, se apega à Bíblia em interpretações literais de seu conteúdo, crendo que o mundo foi criado em seis dias, que o homem foi feito do barro, que Eva foi gerada a partir de uma costela física de Adão, etc. Para vários grupos protestantes, a Igreja Católica é a besta descrita no capítulo 13 do Apocalipse, e todas as outras religiões são obra do demônio.
Um tipo de fundamentalismo católico, chamado "Restauração e Integrismo", por sua vez, procura reavivar a antiga ordem medieval com a fusão entre poder, política e religião, buscando submeter todos os aspectos da vida humana aos ditames da igreja católica, que é a "única igreja verdadeira", fora da qual não há salvação.
Já um certo tipo de fundamentalismo islâmico quer implantar a forma de vida descrita no alcorão ao mundo inteiro, também em todas as esferas da existência humana, levando à instauração de Estados teocráticos. Interpretações literais de seu livro sagrado levam grupos radicais a distorcer o conceito original de jihad (que é fervor e empenho pela causa de Deus) para guerra santa, e a encarar os ocidentais como ateus, materialistas, secularistas, pagãos, ímpios e infiéis.
Fora do âmbito das religiões, um exemplo citado por Boff (2002, p. 38) é o do fundamentalismo da ideologia política do neoliberalismo, do modo de produção capitalista e de sua melhor expressão, o mercado mundialmente integrado, o qual se apresenta como solução única para todos os países e para todas as carências da humanidade. Um sistema que é, no entanto, criador de grandes desigualdades, explorador da força de trabalho e predador da natureza. A cultura capitalista, onde quer que se instale, cria uma cosmovisão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Não obstante, alguns teóricos (fundamentalistas, claro) apresentam essa etapa como o fim da história. Para eles não há alternativa, a não ser que todos se insiram neste processo.
Um outro exemplo de fundamentalismo não religioso é o do paradigma científico moderno. A ciência, que artificialmente compartimenta a realidade, que é una e diversa, se arroga como a única a ter acesso ao real, e dessa forma desqualifica e desmoraliza outras formas de conhecimento que "vão além ou ficam aquém dos caminhos da razão instrumental-analítica". (BOFF, 2001, p. 40).
Como se pode ver, o fundamentalismo não é especificamente um conteúdo doutrinário ou religioso, mas está mais relacionado a uma forma, a uma maneira de se posicionar. Como dito anteriormente, é o ato de conferir caráter absoluto ao seu ponto de vista. E a consequência disso, segundo nosso teólogo, é que "quem se sente portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade, e seu destino é a intolerância. E a intolerância gera o desprezo, e o desprezo, a agressividade, e a agressividade, a guerra contra o erro a ser combatido e exterminado".
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: A globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

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