Ideologia e o capitalismo como fim da história


Apesar de a história nos ensinar que o mundo está em constante transformação, há um sentimento comum, em determinados estratos sociais, de que as coisas ou sempre foram assim ou para sempre permanecerão como estão. Talvez com uma variação aqui ou outra acolá, mas sempre assim. Não é que essas pessoas, no entanto, ignorem o básico da história. As raízes de sua crença no imobilismo das formas sociais são outras.  

O indivíduo de hoje se assemelha àquele do período romano. Se olharmos para a História da Filosofia, veremos que na época da Roma Imperial a Filosofia Política praticamente desapareceu, enquanto que os filósofos voltavam suas reflexões principalmente para a Filosofia Moral. Isso é, o que deveria ser mudado era o indivíduo, não o mundo. Havia uma sensação de impotência diante do império da mesma forma que muitas pessoas experimentam hoje. Basta darmos uma olhada nas prateleiras de livros mais vendidos para saber o que mais interesa ao homem médio: livros para mudar a si mesmo e alcançar sucesso individual.

E mesmo sabendo que impérios como o romano se desintegram, tem gente que ainda não consegue se livrar da sensação de que o mundo sempre será como está. Daí a afirmação precedente de que o problema não é saber olhar para a história e ver que tudo passa. A questão é essa sensação, esse sentimento de imobilização diante do mundo.

Se analisarmos atentamente a história, veremos que antes que elementos revolucionários surjam e questionem o status quo de determinado momento histórico, o mundo vigente até então parece sempre o melhor e o mais natural dos mundos.

Vamos ilustrar isso com um exemplo. A escravidão era vigente no Brasil até pouco mais de 150 anos atrás. Sua abolição é historicamente muito recente, e essa instituição se perpetuou por milênios na humanidade.

Para o homem de hoje pode ser absurdo imaginar uma cena em que um punhado de homens brancos armados fosse de navio a outro continente arrancar outros homens livres, à força, de sua terra natal para serem escravizados longe de suas casas. Parece absurdo para nós, mas havia uma justificação para isso. Sempre houve uma justificação. E esse tipo de justificação do status quo, do mundo como ele é, se chama "ideologia".

A ideologia é a forma com que as classes dominantes justificam o sistema vigente e o apresentam como o melhor e o mais natural dos mundos. E da mesma forma que sempre houve justificativas para a escravidão, há hoje justificativas para o modo de produção capitalista.

Os burgueses nos pedem para olhar para o reino animal e ver como é natural a concorrência, como um animal engole o outro, como os mais aptos sobrevivem e os mais fracos são exterminados. Isso é um exemplo de ideologia. Isso é justificativa do status quo, do mundo como ele é.

Karl Marx afirmou que são as relações materiais e concretas da vida material que determinam a forma de pensar de uma determinada sociedade. As idéias dominantes de uma época são sempre as idéias da classe dominante daquela época.

Se a verdade é imutável, e se a escravidão algum dia foi devidamente justificada, ela ainda o seria hoje. Isso mostra que aquilo que sustentou a escravidão e que sustenta o capitalismo não são verdades "eternas". Os argumentos só servem para tentar justificar a forma como o mundo já está organizado.

Se demos apenas o exemplo da instituição da escravidão, o leitor poderá varrer a história para ver por si só que sempre foi assim. O feudalismo, na Idade Média, é um outro exemplo, o qual tinha na Igreja sua principal âncora ideológica.

A ideologia burguesa diz que o trem da história chegou a uma estação chamada "capitalismo" e que essa é a estação final. Ela quer congelar o devir, o processo histórico. Mas ao contrário do que às vezes pode sugerir este sentimento de impotência e imobilização diante do mundo, não há nada que sinalize que o capitalismo é o último sistema inventado pela humanidade e que nele permaneceremos até a extinção natural do sistema solar. Ou até a queda de um meteoro na Terra. Ou até a explosão de uma bomba atômica. Quando alguém afirma que uma alternativa ao capitalismo é utópica, devemos lhe lembrar que a mais irrealizável de todas as utopias é achar que nada muda.

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  1. A mim me parece mais que a ideologia que "passou" foi o comunismo. Com excessão de alguns países sub-nutridos como Cuba e a Coréia do Norte (com reservas), não há mais comunismo no mundo.

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  2. Eliel,

    Duas frases, quatro erros.

    Em primeiro lugar, percebe-se que você não apreendeu bem o conceito de "ideologia" exposto no texto, apesar desta se mostrar atuante em seu pensamento.

    Em segundo lugar, nunca houve um país comunista no mundo. A maioria chegou apenas ao socialismo, e isso ainda é objeto de discussão, haja vista que diversos autores não consideram nem mesmo a URSS como uma experiência autenticamente socialista.

    Em terceiro lugar, Cuba não é um país "subnutrido", a não ser na revista Veja. Diga-me que país capitalista do terceiro mundo possui um sistema de saúde como este, por exemplo:

    http://tinyurl.com/djk98t

    Em quarto lugar, há sim outros países no mundo que adotam algum tipo de socialismo, como a China, por exemplo, e outros com projetos de socialização a tempo médio, como a Venezuela, pra citar outro.

    Veja que a experiência socialista da URSS a levou a um desenvolvimento econômico tal que transformou a Rússia de um país basicamente agrário em uma forte ameaça econômica e militar aos EUA, e isso em apenas poucas décadas.

    Países pobres que adotaram algum tipo de socialismo são pobres devido ao imperialismo, à colonização e à exploração capitalista precedente, e não por causa de sua tentativa de socialização.

    Contra fatos não há argumentos.

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  3. Glauber,
    Sua extensa bibliografia corroboram somente o que quer provar. Perdoe-me se sou indiscreto, mas o caso é:
    Dizer que o comunismo ainda não foi aplicado, é semelhante - e plausível - dizer que o capitalismo também não.
    Ora, não é Karl Marx ou Adam Smith que decidem isso. É Lenin ou Bush, pura e simplesmente.
    O comunismo ideal, ou o capitalismo ideal, está meu caro, somente em construções dialéticas, tais como as apresentada em vosso texto.
    É antropofágico todos os sistemas, seja o seu ideal ou o meu.

    Shalom,
    Marcus.

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  4. Marcus,

    O suposto "comunismo ideal" vamos colocar na sua conta, porque eu não disse nada de "ideal". Eu disse simplesmente "comunismo".

    Eu sinceramente não consegui extrair as premissas implícitas do seu argumento para visualizar como você chegou à conclusão de que já existiu pelo menos um país comunista no mundo.

    Me diga por qual razão você ignora a diferença entre o socialismo e o comunismo para fazer tais afirmações.

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  5. De Marcus para Glauber,
    Saúde.

    Espero que não me tenhas como o tolo que Montaigne citou.
    Dois pesos e duas medidas.
    Karl Marx imaginou que o socialismo – tal como na antiga União das Repúblicas Soviéticas Socialistas – seria o primeiro passo para o comunismo. Do ponto de vista de Marx, não tivemos comunismo, do meu ponto de vista, espero que não tenhamos.
    Você escreveu que o sistema de saúde Cubano é excelente, eu concordo. Formam-se por lá bons médicos, estão de parabéns pela saúde e alfabetização do povo. Mas, eu creio que extinguir o estado não é possível – nem em uma sociedade alfabetizada e com boa saúde. Compreenda, é otimismo demais, não é possível que todos os problemas possam ser resolvidos com educação - não digo que seja o seu caso tal ingenuidade.
    Portanto, o senhor e os teóricos que você enfatizou estão em acerto quanto ao comunismo ainda não ter chegado -, ao menos como preconizado nos escritos de Karl Marx.
    Mas o senhor provavelmente pensa, com razão, ter encontrado uma contradição com a asserção anterior, com o que escrevi no último parágrafo. Permita-me uma explicação ingênua, mas carregada de bom senso:
    Todo corrente de pensamento econômico, filosófico, religioso ou social pressupõe um conjunto de teorias, que se poderia chamar ‘sistema’. É verdade que os ideais da revolução cubana tenham origens filosóficas semelhantes à revolução russa. Não é a mesma coisa, mas pressupõe o mesmo. Que o capitalismo tem algum vínculo com a ética calvinista, também é verdade, mas não é fácil mapear e dizer onde termina um e começa o outro. Somos nós que aplicamos o que os teóricos escrevem, e se em algum momento, paramos e descartamos qualquer ideologia que acompanhe nossa experiência ordinária, podemos ver com clareza: O mesmo país dos homens alfabetizados e do sistema de saúde excelente, é também o país onde existe uma área reservada para os turistas – onde os cidadãos que lá não trabalham, sequer podem entrar.
    As contradições existem, simples assim.
    É com respeito que respondo, e espero não ter ofendido no comentário anterior. Tem uma filha, meus parabéns!


    Shalom,
    Marcus.

    PS: Permita-me uma questão: Antes eu lia seus textos, debates e comentários no Orkut, www.apologia.com.br e no vosso blog. Hoje, o senhor ainda acredita na fé cristã? Caso seja uma negativa a resposta, então gostaria de saber como o senhor lida com essa questão, já que uma vez escreveste sobre a religiosidade dos seus pares – como vossa esposa.

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  6. Marcus,

    É bom lembrar que os primeiros revisionistas do marxismo foram os próprios Marx e Engels. Em diversos prefácios que eles escreveram para edições posteriores do Manifesto Comunista eles afirmaram que, devido às novas circunstâncias históricas, eles reescreveriam diversos trechos daquela obra de forma diferente. Engels só não o fez porque ele considerava o Manifesto como um documento histórico, principalmente depois que Marx morreu, e fazia suas observações ou em prefácios ou em outras publicações.

    Isso mostra que o pensamento de Marx não é algo rígido, fechado, uma "doutrina" ou palavra morta, independentemente se alguém a tenha tomado por isso. Eles próprios viam a necessidade de atualizar constantemente seu pensamento e contextualizá-lo à situação de cada país.

    Isso responde a questão que você colocou sobre o Estado. Talvez Marx tenha mesmo subestimado a função do Estado, mas o dinamismo de seu pensamento possibilitou que teóricos marxistas posteriores revisassem essa questão.

    Quanto a existir ou não alguma contradição em Cuba ou em qualquer outro lugar, lhe digo que a questão não é existir ou não problemas. Estes sempre existirão. A questão é que tipo de problemas existem e se eles são possíveis de serem superados dentro de determinado contexto.

    O chamado PIG - Partido da Imprensa Golpista - amplifica questões frívolas que em outros contextos não receberiam a menor atenção. Mas como o país é socialista, precisam pintá-lo como o inferno.

    Não sei se você já teve a oportunidade de conversar com alguém que tenha vivido em um país socialista, mas meu último gerente aqui no trabalho era russo. Nasceu e viveu na URSS, terminou sua faculdade por lá e depois foi trabalhar fora.

    Eu tive a curiosidade de lhe perguntar como era a vida no socialismo, e o que ele achou do fim do regime, o qual ele presenciou. Ele me disse que a queda do regime simplesmente não fez diferença nenhuma pra ele. Um relato bem diferente daqueles que vemos em documentários sobre o socialismo, em que o sistema é apresentado como o terror. Esses documentários têm uma amostragem muito bem "selecionada", isso é, biased.

    Apesar de todos os problemas econômicos enfrentados no final do sistema na URSS, o nível de vida da população foi mantido o mesmo por muitos anos, devido à particular condição de uma economia centralizada.

    Amplexos,
    Glauber

    P.S.: Sobre a fé cristã, lhe digo exatamente isso: eu acredito nela. É que antes eu tinha certeza. Hoje eu acredito.

    O blog em que eu escrevia mais diretamente sobre questões internas da igreja foi permanentemente excluído ontem. Não vou mais escrever sobre essas coisas, a não ser quando os temas forem mais gerais, como os que se encontram neste presente blog.

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  7. Anônimo12:13 AM

    oi to fazendo uma atividade emcima do texte aldeias de frei betto. gostaria de ajuda. o que vc me falaria sobre esse texto, se ele é capitalista ou socialista, me explique o pq.

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  8. Marcus, Marx, nem em sonho, imaginou que o socialismo sovietico seria o primeiro passo para o comunismo. E necessario levar em conta oque Marx escreveu, e nao o que falam sobre ele. E necessario deixar claro, tambem, que Marx jamais imaginou a existencia de uma sociedade intermediaria, entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista.Portanto, esta historia de que oque existiu na realidade foi o socialismo pensado por Marx, e nao a sua ideia de comunismo, nao tem base alguma em seus escritos. A ideia de socialismo como fase intermediaria, entre comunismo e capitalismo pertence exclusivamente a Lenin. A opiniao de Marx sobre o assunto, ficou muito clara, em um texto, curto, porem, esclarecedor, chamado: Critica do Programa de Gotha.Neste texto, Marx fala de um ´´periodo revolucionario no qual o Estado nao pode ser outra coisa senao uma ditadura do proletariado.´´E fala tambem, de uma primeira fase da sociedade comunista, onde a divisao do trabalho, ainda nao foi dominada pelo homem, e que ainda permanece manchada intelectual e moralmente pela sociedade anterior.A permanencia, ou nao do Estado ficou clara no texto. Quando falam sobre o assunto as pessoas costumam falar que antes da sociedade comunista, haveria uma ´´ditadura do proletariado´´, que as pessoas imaginam ser equivalente a ´´sociedade socialista´´, que consistiria basicamente estatisaçao dos meios de produçao, dissoluçao dos tres poderes, intolerancia religiosa,etc. Apesar das descordancias, quero prabenisar, voce Glauber, pelo texto interesantisimo.Adorei a ultima frase, infelizmente a maioria das pessoas nao enxergam isso.

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