Contando histórias dos Irmãos Grimm para minha filha

Há alguns anos que leio as histórias dos irmãos Grimm para minha filha à noite (são mais de 200), e à medida que ela cresce aumenta sua percepção e compreensão de algumas coisas antes não questionadas. Logo na primeira frase da história de ontem ("Era uma vez um lenhador muito pobre que...") ela me interrompeu: "Pai, peraí: por que toda história começa falando de alguém que é muito pobre?" E eu não pude deixar de inserir um elemento crítico em relação aos desenhos de princesa da Disney que ela conhece: "Filha, porque a maioria das pessoas no mundo é pobre e trabalhadora, e essas histórias e folclores que os irmãos Grimm escreveram eram contados pelo povo. Você por acaso conhece alguma princesa igual aos desenhos da Disney? Tem alguma coleguinha sua assim na escola? A maioria dos pais são pobres e saem de casa bem cedo pra trabalhar e voltam só à noite, como o lenhador." Isso a fez comparar tanto sua vida quanto a de suas coleguinhas com alguns desses desenhos: "Aaaahh, não tenho nenhuma coleguinha assim..."

E isso me trouxe novamente a questão sobre que tipo de desenhos e histórias é desejável que a criança tenha acesso. Não proíbo minha filha de assistir nenhum desenho animado, a não ser que seja inapropriado para sua idade. Acho que proibir é pior, e para mim não é uma opção. O importante, a meu ver, é ensinar à criança desde cedo o exercício da dúvida ("será que Deus existe mesmo?", "existem princesas? quem são, onde moram?"), instigar a suspeita de que a realidade das coisas é diferente de sua aparência, mas sem prejuízo da imaginação infantil. O fantasiar é muito importante para a saúde psíquica da criança, pois lhe ajuda a lidar com diversas dificuldades inerentes ao processo de crescimento (como afirma este livro do Bettelheim). E essas histórias compiladas pelos Grimm, pelo fato de terem sido construídas coletivamente através de gerações, expressam profundas realidades inconscientes. Tais histórias possibilitam à criança trabalhar a faculdade da imaginação, coisa que a indústria cultural infantil rouba à criança desde muito cedo. E por fim acho também muito importante este hábito de contar histórias às crianças. (Não só que elas leiam, mas que ouçam as histórias.) Para as crianças há toda uma aura em torno de adultos que lhes contam histórias.

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  1. Sinto falta dessa fase com meus filhos, agora que cresceram um pouco e não tem mais tanta paciência para ouvir estórias preferindo eles mesmo lerem os livros e quadrinhos. Logo que se alfabetizaram era particularmente agradável inventar estórias e pedir a eles que concluíssem o conto com sua própria imaginação. Depois de algumas horas líamos cada um o seu final e algumas vezes fiquei realmente surpreendido com as soluções engenhosas que apresentaram. Aproveite essa fase porque além de passar rápido e muito enriquecedora para você também.

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